E se você acreditasse
 



Contos

E se você acreditasse

Rafa Fontes




Você soube um mês antes. Pediu as contas no emprego e foi para casa ao meio dia. Brigou com a esposa, que não acreditou naquela história.Você sempre disse que ela devia crer mais na palavra, mas não adiantou. Separou-se, deixou-a em casa com o filho e, em uma semana estava em um kitnet alugado. Triste, você se despediu do menino como se fosse culpado por ter reproduzido, por tê-lo colocado nesse mundo, como manda o livro, para ele viver apenas até ali.

Em duas semanas você vendeu seu carro, passou a andar de transporte público.
Queria morrer sabendo o que passam os fiéis mais pobres nas ruas da cidade. Em vida, jamais.
Admirou, como ainda não havia feito, a vista urbana do lugar em que você morava há anos. Descobriubairros, prédios, parques, cores, pessoas, animais. Você havia ficado rico por ter trabalhado a vida toda, mas não conhecia nem metade dos prazeres de sua sociedade. Ali, desconsolado, se perguntava por que.

Em três semanas, você começou a gastar tudo o que tinha. Se é para morrer, vamos morrer feliz.
Comeu todas as porcarias que seu estômago fraco evitava, andou por todos os lugares que seu medo impedia, descobriu pessoas de paz onde só imaginava terror, pagou prostitutas que jamais pagaria e transou com mulheres que jamais transariae passou a noite em lugares onde nunca deitaria.
Embriagou, brigou, roubou, endiabrou.
Sangrou, sarou, chorou, rezou.

Na última noite vomitou seus sonhos em qualquer bar, acompanhado de qualquer um que esperava, coincidentemente, aquele mesmo meteoro.

- Você também acredita – você perguntou com a língua anestesiada.
- Claro que sim - respondeu o outro, cuspindo uma saliva alcoólica – Aquela merda vai cair e destruir tudo o que conhecemos.
- É por isso que estou aproveitando meus últimos dias assim – você completou, dando um soco no balcão e pedindo ao garçom para encher mais uma vez o seu copo – Construí uma carreira segura, uma família linda e temente a Deus, uma poupança gorda... e pra quê? Pra acabar tudo assim, com uma maldita pedra explodindo o planeta. Bela bosta! De que me serviram todos os mandamentos do Senhor?
- Pois é. Eu vou acabar a minha cachaça aqui e vou correr para a minha família. Apesar de tudo, nem Deus me faz ficar longe deles essa noite.

Você, descrente com a vida, esperançoso com a morte, preferiu morrer só com a sua crença.
Ajoelhou, rezou, aguardou a hora escura da madrugada em que seriam atingidos. Porém, amanheceu. Ouviu, da kitnet no nono andar, os carros, as ambulâncias, as vozes, a cidade, o mundo, a vida, mas não ouviu meteoro algum. Se passou, passou longe.

Você ponderou. Olhou no celular a conta bancária vazia.
Sentiu uma forte dor no estômago e sentiu seus órgãos arderem e coçarem enquanto urinava.
Lembrou da esposa e do filho, abandonados.
Na janela, olhou para baixo. Subiu no parapeito e deixou-se cair enquanto pensava:E se eu for meu próprio meteoro?

 

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